Ações para reduzir as mortes no trânsito através de abordagem de sistemas seguros

Apesar de mais de 1,35 milhões de pessoas perderem a vida em acidentes de trânsito todos os anos, esse tipo de fatalidade não tem a mesma atenção de políticos e da mídia quando desastres de avião, trem ou embarcações. Algumas acreditam que as mortes em acidentes com veículos são parte da rotina ou inevitáveis – mas elas não precisam ser.

Ruas projetadas de acordo com a abordagem se sistemas seguros colocam a vida humana – e a sua vulnerabilidade inerente – em foco. A estratégia reconhece que o corpo humano tem limites e mesmo a pessoa mais consciente pode cometer um erro, mas isso não deve custar-lhe a vida. Essa perspectiva é importante principalmente quando consideramos as pessoas que caminham, pedalam ou utilizam motocicletas, que não têm a proteção adicional de um carro e que juntas respondem por mais de 50% de todas as mortes no trânsito.

O relatório Sustentável e Seguro, lançado pelo WRI Ross Center for Sustainable Cities e pelo Banco Mundial, que acaba de ganhar uma versão em português, fornece orientações sobre como criar um sistema de mobilidade seguro para todos as pessoas que transitam nas ruas. São ressaltadas oito ações que, quando aplicadas de maneira integrada, têm o potencial de mitigar riscos ao reduzir a frequência e a distância dos deslocamentos e oferecer uma grande variedade de opções seguras e saudáveis de mobilidade.

Abaixo, entenda quais são essas ações.

1) Construir cidades compactas e conectadas

O planejamento do uso do solo pode contribuir com a segurança viária, diminuindo a intensidade do trânsito, a quantidade de deslocamentos e, consequentemente, a exposição dos pedestres aos veículos em movimento. Como parte de uma abordagem de sistema seguro, o planejamento urbano deve minimizar as distâncias das viagens, impulsionar o uso do transporte coletivo, garantir que as vias de alta velocidade não passem por áreas residenciais ou de uso misto, além de aprimorar os grandes corredores de transporte público e a conectividade com as demais vias.

Por quê? Para cada 1% de mudança da forma urbana para uma mais compacta e conectada, as taxas de morte no trânsito em todos os modos caem 1,5%, e as taxas de mortalidade de pedestres diminuem de 1,5 a 3,6%.

Barcelona e Atlanta permitem uma comparação impressionante. Ambas tem um número de habitantes semelhante, mas densidades e modos de transporte predominantes muito diferentes. A maioria dos moradores de Atlanta dirige carros particulares, enquanto os de Barcelona usam principalmente o transporte coletivo e caminham. Parte do resultado é que Atlanta tem 18 vezes mais mortes de trânsito em média todos os anos.

2) Desenhar ruas mais inteligentes

desenho das ruas pode melhorar a segurança e a qualidade de vida, aumentando a visibilidade e a acessibilidade de pessoas caminhando e pedalando, além de incentivar comportamentos mais seguros dos motoristas.

As rotatórias, por exemplo, são eficazes para reduzir as velocidades de tráfego nas interseções, pontos de alto índice de colisões. As lombadas e travessias elevadas podem controlar as velocidades dos veículos perto das zonas residenciais e escolares. E ruas mais estreitas incentivam uma direção mais cuidadosa e facilitam a travessia dos pedestres. Evidências de estudos na Cidade do México mostram que, para cada metro adicional de largura em um cruzamento, a frequência de acidentes com pedestres aumenta em até 6%.


Rotatórias

Entre 2017 e 2018, o vereador Bruno Orlandi solicitou à Companhia de Engenharia de Tráfego de Santos a implantação de pelo menos 14 rotatórias na cidade.
A pedido do parlamentar, foi instalada uma rotatória na Rua Egídio Martins, no bairro da Ponta da Praia em Santos.


3) Ofereça uma variedade de opções seguras de mobilidade

Evidências mostram que o transporte coletivo de alta qualidade é mais seguro do que viajar de carro. Nos países de renda alta, a taxa de acidentes de trânsito para o transporte coletivo é 10% da taxa de automóveis. Em regiões planejadas para o transporte coletivo, a taxa de mortes em acidentes é de cerca de 20% da taxa de regiões planejadas para os carros. Sistemas BRT de alta qualidade podem reduzir os acidentes fatais em vias urbanas pela metade.

 

Múltiplas opções de transporte devem ser integradas nas cidades para que o impacto seja maior. Políticas de incentivos econômicos para reduzir o uso de veículos motorizados privados, como as políticas de cobrança pela circulação de automóveis em determinadas regiões e pelo estacionamento público, também proporcionam benefícios para a saúde e o meio ambiente e podem melhorar o acesso a serviços vitais, como empregos e educação.

4) Manter as velocidades em níveis seguros

Adequar a velocidade dos veículos ao tipo de uso em determinada rua é um componente essencial de um sistema seguro. As pessoas que caminham e pedalam de bicicleta não devem ser expostas a veículos em velocidades potencialmente fatais. Limites de velocidade apropriados e outras soluções que amenizam as velocidades e separam as pessoas do tráfego têm um efeito mínimo nos tempos médios de viagem (os tempos de viagem são mais afetados por outros fatores, como a frequência das interseções). O controle da velocidade têm um impacto significativo na probabilidade e na gravidade de uma colisão. Estudos mostram que, para cada aumento de 1% na velocidade, há um aumento de 4% nos acidentes fatais.

Escolhas de desenhos de ruas – como vias mais estreitas, calçadas mais largas, faixas de pedestres elevadas e extensões de meio-fio – podem ajudar a tornar as velocidades mais adequadas.

5) Reforçar leis existentes e regulações

Melhorias na aplicação das leis de trânsito podem levar a reduções rápidas reduções de mortos e feridos em acidentes de trânsito. Exigir que motoristas obedeçam o limite de velocidade, cedam espaço a pedestres e ciclistas, usem cinto de segurança, não dirijam embriagados e usem cadeirinhas adequadas para crianças pode ter um impacto poderoso na mudança do comportamento dos motoristas. Em Nova Gales do Sul, na Austrália, uma penalidade maior para motoristas recém-habilitados que excedem a velocidade reduziu em 30% o número de acidentes fatais envolvendo esses motoristas. De 2008 a 2012, os cintos de segurança salvaram cerca de 63 mil vidas nos Estados Unidos, o suficiente para encher 79 Airbus A380.

Radares de velocidade e em semáforos também podem melhorar o comportamento. Nos Estados Unidos, cidades com câmeras que registram motoristas que furam o sinal vermelho tiveram 24% menos acidentes entre 2004 e 2008 do que cidades sem câmeras. Os acidentes fatais nos cruzamentos com as câmeras foram 17% menores.

6) Educar melhor motoristas e planjeadores urbanos

Ter motoristas seguros, competentes e bem treinados nas ruas faz parte da batalha. Os cursos e programas de treinamento de novos motoristas devem começar cedo, ser minuciosos, altamente supervisionados e com abordagens práticas. Esses programas, que têm abordagem dispersa em muitos lugares, devem ser introduzidos nas escolas para ajudar os adolescentes a desenvolver suas competências o mais cedo possível.

Na Nova Zelândia, por exemplo, sistemas de graduação para a obtenção de licença para dirigir, nos quais jovens condutores passam por uma abordagem de três estágios (período de aprendizado supervisionado, licença intermediária e licença de privilégio total), reduziram o número de jovens de 15 a 19 anos hospitalizados em 23%.

Mas não são apenas os novos motoristas que podem se beneficiar da educação sobre direção segura. Treinar técnicos, como urbanistas, engenheiros, profissionais de saúde e policiais sobre os princípios e as áreas de ação da abordagem do sistema seguro, auxilia no bom funcionamento e desenvolvimento do sistema. A sociedade civil organizada também pode ser uma aliada em campanhas de conscientização, em intervenções de urbanismo tático e testes de limite de velocidade. Essas medidas ajudam a reduzir acidentes em 10%. A verdade é que grandes campanhas de mídia têm um efeito muito mais significativo no comportamento quando combinadas com fiscalização e atividades de conscientização.


PRAÇA PARA EDUCAÇÃO NO TRÂNSITO

Em Santos, a revitalização da Minicidade do Trânsito traz ações educativas aos futuros motoristas da cidade. O espaço está instalado na Praça Belmiro da Vila e foi reformado a pedido do vereador Bruno Orlandi.

“Em maio de 2017, nós registramos a situação de abandono em que estava a praça e conseguimos mostrar ao Poder Executivo a necessidade de revitalização do local. Apresentamos sugestões e solicitamos a volta da Minicidade do Trânsito, um espaço em que a CET promove um programa educacional voltado às crianças do município”, explica o vereador.

Em novembro de 2018, seis meses após a reinauguração da praça, quase dois mil estudantes santistas já haviam participado do programa.


7) Exigir padrões universais de segurança para veículos

Devido a avanços importantes de design e tecnologia, veículos modernos podem ter um desempenho muito melhor em caso de colisão do que os do passado. Na verdade, eles estão muito melhor equipados para evitar colisões em geral, mas muitos países ainda não exigem tecnologias de segurança para carros novos.

Se normas mínimas de segurança de veículos como cintos de segurança, ancoragem adequada dos assentos e air bags de colisão frontal e lateral fossem aplicadas na Argentina, Brasil, Chile e México – quatro dos maiores países nos quais esses padrões ainda são mínimos – estima-se que 40 mil mortes de passageiros de carro e 400 mil ferimentos graves poderiam ser evitados entre 2016 e 2030.

8) Acelerar a resposta a emergências

Respostas rápidas e eficazes a emergências são fundamentais para reduzir o impacto das colisões no trânsito. Mas os sistemas diferem de lugar para lugar. Muitas vezes, respostas atrasadas a acidentes fatais ocorrem devido a uma comunicação descoordenada entre os sistemas de resposta e ao lento investimento de recursos.

A melhor maneira de fornecer tratamento médico imediato é por meio de um sistema de trauma nacional ou regional, que inclui equipes médicas móveis baseadas em hospitais e que são treinadas para trabalhar com serviços de ambulância, polícia local e serviços de bombeiros. Mais mortes no trânsito ocorrem fora dos hospitais em países de baixa e média renda do que nos países de alta renda, em parte devido à resposta de emergência menos eficaz.

Cada passo da abordagem de sistema seguro pode parecer simples, mas surpreendentemente poucos lugares conseguem contar com todos eles. Segundo recente relatório da Organização Mundial de Saúde, sem uma ação urgente, as mortes no trânsito continuarão aumentando, resultando em 2,4 milhões de mortes a cada ano até 2030. O Banco Mundial estimou que países que não investem em segurança viária podem perder algo entre 7% e 22% de potencial crescimento do PIB per capita em dois anos devido a mortes e invalidez causada por colisões de trânsito.

É fundamental que todos entendam que a rotina de aumento de mortes no trânsito não é inevitável. Pelo contrário. Podemos fazer mais, podemos nos sentir muito mais seguros.

 

 

 


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